segunda-feira, agosto 24

29/01/69

Te mando este pedaço de cidade, aqui não tem muita paisagem.
Sendo assim, espero que goste.
Do seu primo,

mate leão

descalça o rosto sem alarde
não percebe o avanço sorrateiro do inimigo
mergulha sem que o olhar impeça
o jogo que clama o dentro do aberto
derramando o chá das cinco
no pontapé da tua ferida

quinta-feira, agosto 20

rastro

essa é pra você
que tanto olha
e se interroga
pra que serve tudo isso
se o nada é a única coisa
que se guarda

an ordinary postcard

Recife, 28.02.78
Querido Paulinho,
só saudades,
recebi sua carta. Ainda não respondi por falta de tempo, mas breve o farei.
Enviei um cartão para Machado. Você sabe dizer se ele respondeu e recebeu?
Bem, mas este postalzinho é só para você saber que continuo me lembrando de você.
Quando você vai aparecer por aqui?
Do seu,

quarta-feira, agosto 19

esporro

o pai toca o filho no úmido meio
de sua pele imaculada
e procria desejo na prole
inútil
que olha o gozo
do filho do avô
tocado no úmido meio
de sua pele maculada
na trava da língua

R.S.V.P.

tem dias que ele sente uma solidão medonha: papo de bicho papão com a carochinha de que estar só é bom, de que a solidão é opção, coisa que não tem fuga e jeito de se lidar. preposição que se adianta e se posiciona no meio da fala. por que tanto coração na tua letra?

segunda-feira, agosto 10

o escudo do ladrão

um mundo pra ser tomado
enquanto a morte cai no blues
do teu Ray-Ban

sexta-feira, agosto 7

obras completas

sente saudade dos teus verdes encantos, interrogativos e pendentes no ar. bolero das antigas que só você sabe os passos muy bien. mas por que fica dançando a contrapelo enquanto a carne se envergonha de dizer que adora o melhor do lobo no homem?

obras completas II

é só chafurdar a sua biblioteca - o cheiro amarelado da herança dos dias, os livros não lidos, aqueles que foram assinados e jamais mencionados nas conversas, alguns que sequer saíram dos envelopes de papel, as pastas rosas de fotocópias, os cartões postais do mercado de pulgas, telefones dos amantes na última folha e que perderam o rosto do nome, dedicatórias formais e manchas de vinho na lombada, a enciclopédia do pai, receitas da mãe e revistas capricho.
tua estante é uma pose.

quinta-feira, agosto 6

fim de semana

esperar cansa, e causa uma dor maior ainda. você se coloca em posição de controle, se segura pra não ter um troço, mas o sangue fica a mil por hora e corre demais, a vida fica um pancadão. não tem banho de cheiro, não tem coqueiro e água fresca. tudo sai aos borbotões lá dentro, mas coloque uma represa, aprenda fazer muito barulho pra não ser pouco por nada. às vezes vem um cansaço. e um respiro. rouco.

sábado, agosto 1

la mancha blanca

jamais saberá como seria se tivesse nascido aqui. nunca pertencerá totalmente aqui, e onde nasceu não te quer mais. na realidade, nunca te quis -- é a mãe empurrando para o mundo um filho que busca a outra em casa postiça, e com quem finge brincar de experiência. não pertence a lugar nenhum, vive lá e cá, finge escolher, finge opções nas terras que são liberdades em você. o ledo engano da bolinha de pingue-pongue.