quarta-feira, dezembro 22

retrato de quarta

a manhã e um brilho azul
família abraça a menina que deixa cair as malas da chegada
o trem com gente de ombros desnudos que pagam dois por um real
calor morno depois de um beijo com ar condicionado
um abraço pequeno sob óculos escuros
que gostam sim de sinal fechado mas atravessado fora da passarela
o sinal verde de um olhar para cima
para te lançar sorrisos no ar
feito benção sem terços e berços
para chegar aí, longe que nada,
um banho de mar na melancolia

terça-feira, dezembro 21

ciranda

agora é brusca
a mudança de ares:
gelo que esquenta
um coração todo verde
claridade amarela
brotando naco de luz
renascendo segundos
na ferida do tempo
neste meio do meio
de tudo que é fundo

quarta-feira, dezembro 15

paisagem, fora

o que quer esta língua
quando a mudez é cansaço
o inferno é claro
e o buraco um inferno mulher
quando olhos são algas
em um mundo todo lua

o que quer esta língua
com asas de rapina
no sobrevoo de uma vida
feita raio de carne?

segunda-feira, dezembro 13

uns poucos dias

ele só quer falar o que não se importa, o que se deixa aberto em um conto primeiro, os meses de fevereiro e músicas estranhas, andar mesmo não conhecendo o arranho da fala que assanha os pelos, acalorando de fora os acontecimentos, um beijo no estado de coisas e corte gelado nos dedos dos pés,
para vir teu corpo e meia dúzia de réis

ensaio

aquele beijo
de samba arranco
queimando rotas
letras feitas
abrindo a língua
no fundo do oco
limpando as cinzas
com toda saliva
a tua palavra
e lava

quinta-feira, dezembro 2

o terceiro ar

este todo branco
que inunda o dia
e as horas macias
afundam segundos
nas solas dos pés
um silêncio que cai
com fome de vida
assusta e atira
um soco no nada
e suspira

sexta-feira, novembro 5

no meio, um azul (Dedicados # 2)

um raio de energia
que descesse em
teu peito
ser água descendo
tua cabeça abaixo
ser um sol
em teu corpo, um posto
areia sorriso quebra-mar
uma cerveja no teu botequim
ser um futuro um brilho
o teu sempre janeiro
em mim

quinta-feira, novembro 4

um sabor de caju (Dedicados # 1)

não adianta o pão e a bebida
chegou a última noite
em cama mal-mordida

não atrase a tua saída
e nem deixe discos de Billie
em derrames no chão

as cartas e os mil bilhetinhos
não chegarão
com suspiros e datilografias

mas por favor deixe a barba
a boca da mão e tuas delícias
pros dias de verão em seguida

quarta-feira, outubro 27

20:15

taí,
conseguir deixar
areia nos olhos
matar as fadas
que moram na garganta
retirar o doce o suave
deleite dos dias

foi um cuspe na cara

o leão

avançar um pouco mais
para que não toque no meio
não destrua aquilo de mais
sincero na retina da tinta
para não cair no banquete
prato feito de pára-queda
sobra da dor entre dois dedos

terça-feira, outubro 26

o espelho

ele pensou que podia mais uma vez. respirou fundo e pensou três vezes. ele pensou que podia dar mais um passo um abraço uma vida. apagou as velas e fechou os olhos enquanto o vermelho tingia as paredes de cal. ele pensou que podia. e sorria.

segunda-feira, outubro 25

quadrilha

junte tudo que é teu:
fatos e rastros
rabiscos
e cacos de vida
sublinhados com tinta vermelha
coloque tudo em um saco
com pedras polidas
até que se perca
o fôlego das mãos
entornando uma flor
(rústica ferida)
na ponta da língua

domingo, outubro 24

um pedaço de algodão

mais um café
mais um chuvisco
mais um sorriso
mais um revisto
mais um livro
mais um respiro
mais um domingo
sob o fio solto
de tuas canções
ordinárias

quarta-feira, outubro 6

alarme

um certo jeito de dormir pra ver se o sono assalta tempestades, pra acordar às sete sem pescoço na corda, sem pensamentos na tarja preta raios e trovões, um portrait de fino trato, trutas finas no pequeno almoço, sem vadiagens nas caras da moça
aí lá vem com este Ray-Ban

11 linhas

todo mundo -sempre- sabe
ele disse uma vez
e guardou um quieto
ruminou outros tantos
numa dor sem perfume
agora cantarola
assovios de coeur
dando preço
em tua memória

um peso
e poucos quinhentos

terça-feira, setembro 28

98, volume 4

é um algo assim, meio vermelho, abafado por dentro, cresce meio assim, aumenta ainda mais, entumesce e fura tanto tanto, um pouco assim, inconveniente e sem convite, depois muda um pouco, ganha muito ar, fica mais quente quente assim, vem acalorando (mas essa palavra é leve demais), ficando úmido e uma cor de vinho bastante escuro assim, volta a crescer dentro, preenche tudo, enche mais e sente mais que tá mais dentro, atravessando o outro lado, a pele desponta a ponta, esgarça lenta, empurra um pouco mais, ele

keepers and killers

sem pelo de braços
mundo dos olhos
ou poros de rosto
um gosto em pele
congelado
na sombra de capa
ao longo das unhas
mão sobra a outra
hora carcomida
um tempo de resto
pulso telégrafo
após estes anos
chegar logo
pagina aberta
esta chaga
boca de letra

suplemento para cães e gatos

não entendeu as letras na ligação tardia
antes fosse um vapor guardado, destilado na curva do piso
ficando ali no querer do nada, para um dia apanhar
interesse renascido, palavras sacanas que aquecem
o acaso do fato, o perigo perdido

pornô

o que é o que fede mais do que uma solidão de merda?

quinta-feira, setembro 23

o livro das palavras

as malas abertas
um cheiro forte
do lado de lá
morada das flores
vestindo de preto
numa dose só um
peito centrifugado
em única tarefa:
cercar o corpo
pra depois brilhar
novembro

quarta-feira, setembro 22

a idade sincera

encomendaram um poema
que fosse breve e sem coringas
uma fossa sem cartas na manga
palavras em arrancos de fórceps
um berro de intrigas caseiras
sem artimanhas de efeito
para ser entregue no último ato
de um encontro quieto
com o teu animal de esquina

TP 185

ele chegou:
um abraço forte de presente
e um pudim de coco na sobremesa
as duas vão bem, obrigado
os livros na mesma fora de ordem
a janela ainda voltada para o azul
e aquele beijo no quente travesseiro

(desta vez
de dentro
o incerto
no corpo)

jetléguas

todo este calor de 36
se a cada quilômetro
a carne esfria?

sexta-feira, setembro 3

Herzschmerz

um bocado de tudo
medindo e abrindo
bem no meio
mas no meio mesmo
um buraco profundo

quarta-feira, setembro 1

opostos

para ficar mudo e vago
ser teu livro de eterna mudança
para ler comer arder provar
pois não há nada no mundo
das coisas que afundam

terça-feira, agosto 31

pra não dizer

pra não dizer que neste mês ele não apareceu, mandou um alles gut e beijou a cabeça sobre o travesseiro, desbravou o neutro entre o masculino e o feminino, viu o sol nascer mulher depois da lua feito homem, descobriu que um dia entre trinta e um é sempre uma surpresa de trás pra frente.
pra não dizer que não falou de dores, te mando orelhas e girassóis.

quinta-feira, julho 29

panamericana

blocos cinzas avenidas
mãos ao alto mar de asfalto
aviões descolam minutos
tantos anos idas e vidas
mas continuas cidade
retém este corpo
de saudade outra
que não se pode visitar

quarta-feira, julho 28

noiteconcreta

é quando se aperta assim e sente aquele perfume no sulco do casaco: pra não mapear a fisionomia toda narinas, mantém o sumo dos olhos esquivos sob um caminho. os ouvidos não prestam para a melodia dourada. é quando se aperta assim e sente que nada.

walkie-talkie

às vezes, uma vontade de conversar com um qualquer, sentar e esperar com as letras flutuando nos olhos, para que aconteça um oi e um pedido rouco, um café e três curiosidades que não não precisam ser saciadas: só um pouco de prosa na pausa do teu mundo.

sábado, julho 24

intransitivo

é a meiguice nos olhos, a pele que salta sob o brilho do suor, as duas meninas que sambam na escuta, a voz após uma interrogação rouca, uma abertura uma brancura um sorriso

te transpiram no dorso da mão e inflo o corpo de ar

quinta-feira, julho 15

a quinta nota

é a coisa mais ridícula
tá fosco melô
anão de jardim
vira e mexe
enrola rocambole
e a rosa entre dentes
quantas letras roubadas
se desmaio na tua seresta?

as sete maravilhas

porque as sextas são difíceis
porque são noites ardidas
porque no hay vino
porque o mel dos olhos mentem
porque não sabe o que é wirklichkeit
porque viver realmente perdura
porque as respostas perdem perguntas

domingo, julho 11

freeing the body

Um jeito de jogar um pouco a cabeça quando anda, um balançar ligeiro no mover das pernas enquanto os olhos enlaçam o horizonte, isso sem falar da fome de comer as letras lusas: eis o efeito da cruz branca sobre o vermelho de tantos anos.
E ainda diz que o desejo não é uma pergunta à tira-roupa.

ouro falso

como se fosse vento
lambendo lugar
madrugando vidas
lá e cá
com olhos abertos
sorriso em bolero

(teus dias de ontem)

sexta-feira, julho 9

A-Z

Liebe auf den ersten Blick:
somente os dois beijam
a mesma língua

quarta-feira, julho 7

old clothes

rever o que fora escrito e o deixado de fora, encontrar tantas passadas paisagens curvas na estrada, saber que foram trinta e sete dedicadas ao nome, cada uma pequenina, sem alarde, em chegada mansa, tudo pra não dar na mancha da última letra, naquela onde mora o fruto de um bendito você.

par lui, mesmo

tá deixando de escrever porque vem achando as letras imperfeitas, mas disso ele sempre soube. só que agora tá cansado do cio, é chique pertencer ao ciclo seco dos que não escrevem, até mesmo é um ato de generosidade e bom-tom. mas o samba que tá tocando é outro, não dá pra segurar: é aquele explode coração.
ele volta.

do lado de lá

esse naco de fenda
onde se põe o dedo no laço
essa parte essa brecha
não escorre entreaberta
mas abraça embaça e ama
amar

terça-feira, junho 29

miniatura

é isso que dá a falta de um beijo raptado:
me faço réptil.

O espera

falta pouco
são números
coisa à toa
em conta
gotas
chegará logo
mais dia
menos noite
(desfia tudo
e recomeça)

el dia de la sangre

as horas milongam
e você no contra
deste passo double
revendo avessos
costurando versões
enquanto as tuas pernas
-- posturas e lisuras --
arrematam gingas
noutro lado da esquina

quarta-feira, junho 23

primeiro capítulo

tem que separar tudo, cortar rápido as passagens que levantam bandeira, deixar tudo quietinho pra não escorregar, pra não puxar o tapete, pra não dizer não quando deve, entregar os créditos sem retorno e sabendo que ficará tudo no negativo: um berro te quiero y basta.

quinta-feira, junho 17

duas horas

a garra no fundo dos olhos
um sabor de fruta ferida
vermelho pipocando
o brilhoso das meninas
enquanto escorre meloso
sad sweet people
na rádio do mundo ao lado

mas
faltam os fotos
e aquela velha
sim a queda
calada canção

uma hora

no fundo do olho
um sabor de fruta ferida
vermelho pipocando
no brilhoso das meninas

enquanto madruga
sad sweet people
no rádio do mundo ao lado
as palavras sem frutos
terminam sem mentes

faltam as fotos
e aquela velha
sim a queda
calada canção

terça-feira, junho 15

débito ou crédito?

Só tem os livros e nada mais que possa chamar de seu: corrente quebrada, nem terreno alugado. Às vezes se pergunta por que tanta letra, tantas páginas, tanta tinta gasta sobre a cabeça dolorida. Responde que o melhor seria queimar, parir outra leitura e sorrir uma culposa felicidade. Mas as coisas demoram a pegar fogo.

segunda-feira, junho 14

alarme

As horas que aqui aparecem estão erradas, vivem enganando o que a princípio é meio, mas quando se começa é inevitável a distância do ponto de partida, os olhos ficarão nuvens turvas sobre o céu da memória, perderão a importância primeira que mantinha acesa aquela luz cativa do lado de dentro. As horas que aqui aparecem estão erradas.

daqui por diante

quando se via do alto
a água em pleno azul
um gosto ardido quente
do amarelo sobre papel
pés que sobem e descem
esquinas suadas noturnas
minutos em sopro suave
sobre rosto que era dois
aquele dia que ainda
se pensava em outro dia
que sereia pra voltar
que era um penúltimo
daqui a pouco um até
do canto de um encanto
que não volta não volta
e revolta o cartão postal
rasurado um dia rasgado
antes que salve toda dor
desta capital primeira
em longo deslembrar

domingo, junho 13

1973

correr com os lobos
um beijo do vento
sobre o pelo
dos acontecimentos
-- já tentou duas vezes
mas lá vem
o cio desembestado
bufando baforando
chifrando murros
na faca da ponta

tem um búfalo
dentro de ti.

sábado, junho 12

volume 2

olha,
você tem todas essas coisas e diz que desafino na letra
ok, você venceu: só roubo por amor

(e devoro)

pra te rever melhor

recado amarelo

Fica abafado, um tapa oco no ar, nem som das cinzas: só lhe resta soletrar o surdo pingo das palavras. Só. E soçobra.

passagem

mesmo que agora um escorrer quase nada, azul sem blues, nome na mucosa da boca, ainda assim continua teu amor (perigoso)

quinta-feira, junho 10

de repente

não perca tempo
não tem voz alta
é torto caducado
pernas capengas

antes fosse choro
um ronco baixinho
depois de exposto
os plenos pulmões

respira essa letra
sob silêncio fundo
até escorrer água
no canto da testa

ritmo

ok, deixemos o ouro de lado: este pulso é o teu melhor.

terça-feira, junho 8

senhoras e senhores

Ele só gira em torno de você, não consegue se livrar destes olhos, pede tua atenção fingindo liberdade, amarra-se entre seus dedos a cada visita para que conduza os fios com destreza e malabares. Deixa cair as bolas, berra a quatro ventos, prende teus ouvidos e confessa que aqui não dá. Aqui não.

lista do mês

assim:
os olhos de Rufus Wainright
a voz de Lou Rhodes
riscos de Basquiat
amaciante na roupa de cama
então:
o quarto
a lavanderia
os carros pela janela da cozinha
verde que se vê da varanda
o sorriso da foto perto do telefone
para o sabão do lava louças
que inunda:
um poema desajeitado
em passadas coxas
desmaiadas lembranças
entre a sua candura

segunda-feira, junho 7

hoje, uma senha

alguns dias são ruídos, palavras poucas e desencaixadas, cabeças na forca bamba, o fim das horas no singular. ele te irrita com tantas perguntas, ele sabe e você não. que ao teu lado as coisas se tornam crianças.

sexto verbal

não consegue salvar abraçar meditar premeditar recolher colher com uma colher todo o sumo de uma ausência

que sangra

torção

Está assim: abraçando ursos, fritando de um lado ao outro, acordando sem o bom dia da canção. Lá vem o café de sempre, sem a colheirada doce de antes, engolindo em seco o requentado pão de uma pobre rima, a máxima do dia.
Nada se afaga diante de você.

domingo, junho 6

Nährwerte

milchschokolade, baby
só enrolar ponta de língua
arranhar fundo em garganta
descendo sonoro doce
encanto branco
de teu nome

sexta-feira, junho 4

régia

ai
esse risco de sombra é um risco

fingere

ainda costura alguns fiapos para que não se esfarrape no correr do dia, ainda procura uns retalhos baratos para que não encalhe o morrer da vida, ainda sutura os baralhos jogados, pára diante da tua imagem e sucumbe joga mascara mente trai os pensamentos e entrega o que te pertence e que você nem mesmo sabe e junta.
tudo que é teu.

junkiebox

sophie mata a fome dos ouvidos
phillip morre entre as cinzas
mas nada nada nada nada
aniquila retira maltrata
este desejo que trago
(fumaça de só gole
ânsia da escuta
do teu você)

quarta-feira, junho 2

a lâmpada

três palavras
que definam
e definhem
a montanha russa
este fim
esta sobra tua
que atua
sobre mim:

terça-feira, junho 1

31 Tages

as tuas roupas
pele na terra de Hermes
a fumaça da cigarra
cabeça sem pelos
coração na hora exata
badcrema queima todo o mal
ein kuss depois das seis
(repete tudo umas três vezes
e suspira)

junho

Demorou tanto a reaparecer que se tornou uma surpresa rever o coelhinho brincando no quintal de livros. Relembrou o abril ralentado, uma demora escancarada e reles ao teu chão. Não há indício do remissivo e nem páginas arrancadas neste aberto: somente letra roendo letra, roeduras na pele macia da saudade que se come com a ranhura dos olhos.
Com casca e tudo.

quarta-feira, maio 19

neulanguage

várias aprendidas
várias prisões
várias lições
várias (e mudas) canções
sambando na boca
elas crescem
e viram o disco
na ponta da língua

do outro lado

Ele tem aparecido tão pouco que desta vez resolveu deixar a cara descoberta: vestiu as plumas de gala diante do piano, sorveu algumas notas no cálice da boca e abraçou o silêncio.
Muito ocupado por aqui, tantas paisagens outras que não consegue compreender esta poesia entre o verde e o cinza, um sol que nunca aparece porém radiante em um olho que pisca. Língua que rasga o ar e acaricia rouca garganta pedindo o beabá.
Tudo é estranho, tudo é casa.
E renasce.

nachrichten

no desmaio deste mês
há uma descoberta:
um mínimo íntimo
repousa entre as horas

umwelt

se você me pede e eu aceito
a virtrine da minha cara
é porque desejo o teu ensejo
de manter o fio da vida
entre os dedos da paixão
escorrendo sobre tuas mãos

terça-feira, maio 4

ritual

no recanto da sala:
1 rosa branca
2 retratos
3 velas

onde ajoelha o amor
e rezam tantos desejos

o terceiro dia

Visto a camisa de dormir, a tua roupa mais fina, recobrindo o peito no trajeto do sono. Afago teu pensar anoitecido, sem ladroagens. Recubro palavras com a neve de um sorriso, acalorando as frases que teu corpo exala.
E assim me derreto todo no teu estrangeiro, nosso sonho.

DI 10:54

agora aqui
onde o corpo dispara, direto
a um outro, esperado e preciso
quando os continentes se aproximam
nada pode retroceder o tempo
no repouso da pele tem um filete de amor
a escrita do gozo no rosto da carne

domingo, abril 25

fábula

Deu no jornal:
raposa mata galinhas
e o galo põe um ovo.
Verteu-se em luto
ou rogou novo assalto.
História da moral:
chocar-se para renascer
e gemer
um feminino.

isso

sim, mais ou menos deste tamanho, surgindo do nada, denso abafado compasso surdo. talvez por causa da brisa soprando o antes, talvez por não existir um entender, mas vem sem pedir licença e assalta paralisa acaricia o que não está. mais.

quinta-feira, abril 22

modo de preparo

Sempre palavras fúteis feito recheio de rocambole: doces mas enrodilhadas, cremosa superfície. A frase não se derrete, somente afunda em si mesma. Não se sabe o seu sabor no deliciar de olhos pensantes a cada mordida de vista.
Tem alguém precisando saber cozinhar.

sábado, abril 17

calendário

contar menos um tornou-se exercício findo
sem artimanhas olhadas de lado saídas de banda
preparam-se fios no jogo fingido dos dedos
até ferir cutículas em cada grão de segundo
violentando toques delícias tonturas
para que venha assolar linha de morte
sentença de amor no meio-dia da boca

double correspondance

algodão, o frágil vestido
repete o sorriso
macio do lado de lá
sem obra primeira
ou baque de rima
reveste a camisa, frágil
watch out engarrafa
mais uma vez a letra, ereta
(falo dela resmunga você)

sexta-feira, abril 16

30 de abril

Teus coelhinhos chegaram, sorridentes: no meio do caminho tiveram vários ovinhos. Então resolvi devorá-los, sedento, sempre um por dia. Esta é a conta exata até lá, quando os risonhos de olhos vermelhos também entrarão na pança faminta de você. Tem que estar forte, pois abriu neste mês um entregar-se ao desmaio das horas seguintes.

terça-feira, abril 13

[unfinished outtake]

só acontece quando debruça o ouvido e aquieta
nada sorrateiro impreciso contido no fundo do fundo
a dor do charme de antigo odor
ritornelo de vinil arranhado
e um rosto no oco do segundo

interrupto

são de seda os fios das palavras desprendidas de tua boca, libertas das letras tortas cravadas em sibilo nas malhas da tela

sábado, abril 10

próxima página

vem com toda a armadilha da língua, transpirando os pedidos da fala seguinte, mantendo o ritmo daquele verso antigo
já começam de olho no peixe, jogando a isca do dia-a-dia feito petisco marinado em letras mansas
um pequeno silêncio prenuncia a sentença final
mas ele põe uma música e sai de banda

pandorar

O presente é papel dourado envolvendo surpresas: o que ele veste come e escuta no quadrado de uma caixa. É preciso cautela para não destruir a delicadeza do momento: despetala-se a folha ruidosamente devagar, retira-se o tampo sem o devorar da ponta dos medos.
E só assim poderão segurar o peso de um coração a dois.

sexta-feira, abril 9

les temps dehors

if life during wartime is possible
mude o disco e aceite o risco
desencave um verso barato
meio teu todo ladrão
desejando tortura e ouvidos
fala rouca em sangue de gengivas
jogue pérolas aos corpos e espere
a perigosa necrose da língua

quinta-feira, abril 8

a hora íntima

Ele ganhou um caderno forrado com estamparias, caderno pautado em linhas vazias, prontas para ser infladas com o veneno dos acontecimentos: tickets de cinema, postcards em dedicatórias, recortes, recadinhos e o nome daquela caixa de bombons. Escrever passa a ser o ensaio diário de pronunciar o nome dele sob o silêncio de letras garrafais.

O derrame da tinta do tempo sobre o exercício findo de tocar tua brancura de pele em folhas soltas no ar.

A você devolvo um retorno encadernado.

electrocorte

dessa vez foram dois aços cravados na beira, no mais interno e profundo róseo, deixando as pernas retesadas no ar
e mesmo assim ele insiste que o cheiro de dor irmana a carne da letra

terça-feira, abril 6

mensagens não enviadas

se você soubesse que ele tenta fazer mel e cólica das palavras, se escutasse os rastros deixados na ranhura das sentenças que caem assassinas sobre teu colo, se parasse um pouco com os olhos abertos até que vertessem teus vermelhos, sentiria um frio lá, onde se farta de falta de nome de encaixe, uma frase branca no meio do útero da dor

cartão postal

21/03
hallo,
tá chovendo por dentro, corre uma enchente nas veias. A foto de frente está desmaiada e um pouco distante. Tem uma frase derramada sobre o verso que não se conhece a língua. No fundo de neve parece despontar uma pele de sol.
um braço carinhoso,

segunda-feira, abril 5

sem título no.06

Mais uma nódoa para a coleção: lá está ela pronta pra ganhar um alfinete no peito e ficar congelada na moldura de vidro (vai que ele se quebra e ela volta a dar o ar de sua graça com seu inchaço redondo, rindo da cara alheia).
Lá vem o fogo com seu cheiro de carne.

anunciação

consegue ver daí de cima?
os sinais chegam até aqui
sem alarde nem milongas
sangram ares mares azuis
afeto em trajeto todo tinta
(renasce imensa montanha
desce horizonte belo de luz)

sábado, abril 3

corte e sutura

se a pele provoca esta sede, se um sabor sibila entre dentes, é por lamber a tua seda da língua adentro, é por saber que dois é o tecido de toda querença, a ponta de um fio a ponta do outro, trajeto e resguardo de toda letra contida em fato de amor.

terça-feira, março 30

sinfonia

um balão espoca
o transborde de um sopro no ar
estrondo no mais completo silêncio
ficam farrapos no chão, esparsos
e um respiro após a vírgula

segunda-feira, março 29

ouça

não é cela gaiola armadilha
é voo livre leve desprendido
e sem taxas de embarque
é porto seguro equilíbrio obscuro
no cada segundo do mais repleto
almar

sábado, março 27

28.2

duas xícaras
duas flores
um bom dia
uma boa noite
ciao na entrada
idem na saída

são dois nomes
dois finais em um
verbo agudo
um mesmo lado
dois continentes

um instante ímpar
quiçá futuro
de duas vidas
seus dois meses

dois curtas e um longa

mesmo que tenha sido por tão poucos segundos fica impossível se desfazer da carne da retina que tinge horas depois o seio da face enquanto o filme rola solto sem nada enxergar, mesmo que tenha sido meia entrada não faltaram cúmplices para o negrume de corpo inteiro em pleno derrame entre cadeiras vazias, mesmo que tenha sido um frame de uma lágrima sem fama um drama pequeno se fez coágulo tentando estancar distâncias na derme da tela que não entende não entende que se paga pra entrar e esperar não entende que olhos fechados são ponteiros parados na lembrança de um você

domingo, março 21

Von-An

você retorna com o coração aos pulos correndo sobre trilhos ansiosos por estar aqui pra ver se tem algo à tua espera e que diga ter guardado um nome no céu da boca pra ser pronunciado na sua chegada com malas jogadas em pleno desembarque sem qualquer oi e que tudo está very nice so nice
mas agora é uma bossa nova um desaguar outro que as palavras antigas desconhecem -
então abraça o teu esquecer e saiba que

um segundo

Se não dá as caras, como é que ficam os verbos no ar? Se visão é contenção, onde está o silêncio do teu nome?

Quem me dera um verso simples, um dedo, um pacto (deixo para o próximo).

sábado, março 20

comentário

notou que ele espera a coruja colorida?
as letras passam correr mais soltas quando no escuro
quando não há tantas pretensões de se fazer entender
ele sabe que o caderno se perdeu sobre as linhas noturnas
incendiando negrume sobrevoando pastos e postagens
publicando palavras em disfarce de íntimo
o endereço é certo, somente ele pode entender
o que se passa entre duas sentenças e o peso de uma vírgula

farsa

ele toma uma cerveja ri com os amigos come uma torta de frango olha para desconhecidos acende o cigarro com o isqueiro emprestado sorri para a cachorra que rosna desce o elevador e sofre: ainda restam muitos dias

quarta-feira, março 17

à parte

Ás vezes este surto compulsivo dele escrever o mesmo tema, ficando obsessivo com a imagem dele que invade a trilha dos segundos. Falar dele é um ritual diário diante de cada paisagem sob a esquina da vírgula, onde se toma um respiro para o engate de mais uma caminhada. Surge um olhar vestido em pulôver rosa, voz de aeroporto no embalo de um cigarro baforando que à noite todos os gatos são fados. É fato fadado à escrita de um destino, enfeite de vida comezinha.

à moda antiga

você acorda, meu querubim
dos teus sonos profundos
que sequer te dão o desfrute
de um sonhar mais intenso

você acorda, meu querubim
e não se lembra de nada
da minha mão sobre tuas asas
sorrindo pelo alçar do seu voo

você acorda, meu querubim
sem uma lembrança sequer
das tuas andanças noturnas
sobre minhas veredas d'alma

você acorda, meu querubim
sem qualquer preciso despertar

porque o meu amor enfim
é alimento de teus sonhos
em um sopro desperto de vida

sessão das duas

não se trata de terapia, baby
mas é bom esmurrar as palavras
esporrar sangue de vez em quando

cada qual com seu crime.

90 dias

A situação é bem simples: são pequenos pontinhos no obscuro vermelho, que só aparecem diante do toque, dando o ar da graça e alguma dor de cabeça. Ficam não querendo nada, somente o mergulho sobre as dobras dilatadas. Como se isso fosse pouco.

lapso

não adianta a lágrima vertida
por uma palavra mal feita
pra que serve tanta dor?
(que venha sorridente
um tiro de misericórdia)

domingo, março 14

swiss landscape

os domingos vazios e suas ruas
quando a vida desponta à sete
janelas espessas trilhas fechadas
percorridas pelo sussurro branco
de um verso coxo e desafinado

não importa se a vida matutina
é ora homem ora feminina
pois as horas se tornam prece
do teu sorriso meus passos
aquecendo aberturas mudando
rumos do lado de cá e de lá
despencando certezas sobre nós

que desatam e bifurcam

duas linhas

os olhos já não podem com o fundamental
com a xícara de leite que o todo derrama

sábado, março 13

noite

casais cigarros cervejas
botecos nos arcos cafés
na sexta um todo plural
(e o corpo insiste pulsar
teus outros atlânticos)

quinta-feira, março 11

[sem assunto]

o que lhe resta é passar a madrugada conversando com você, levantando perguntas, fazendo juras e mudanças de rumo, horas pensando qual é a melhor frase que te cabe sobre a tela, o que vestir diante de você mesmo que não veja, o perfume se irá gostar, o hálito tá ok ou precisa de uma pastilha de menta?
isso tudo pra refrescar a falta que faz.

overaction

que venha o derrame sobre todas as coisas que desejas transbordando
aquecendo teus passos sobre o branco e seus rastros que se derretem durante o dia
que venha o jorro violento de um todo querer sobre a flor de dois corpos de leite
sorvendo a dor sob a seiva da vida

ao vento

sim estou dizendo
elas não suportam
fogem no apertar dos dedos
são catadas como milhos
mas brincam de pular
diante dos seus olhos
mas ainda preciso
sou submisso a elas
pois não me deixam afastar
um minuto sequer
da ânsia de escrever
você

teoria do romance

acaba-se a luz e todo este blues vem na hora errada, cry like a river e emenda o soneto pior do que a encomenda
é a voz rouca babulciando palavras que não existem, pianíssimo ao fundo e todo o clichê de um moderato cantabile
o corpo esquenta a cama de um lado só enquanto duas xícaras esperam o café amanhã sobre a mesa

terça-feira, março 9

adição

falar é pouco
ler é pouco
comer é pouco
sentir é pouco
viver é pouco
ouvir é pouco
amar é pouco
morrer é pouco
escrever é pouco
é tudo este pouco
que eu quero mais

bang-bang

às vezes tem um espoco no oco da boca
aquilo que não se consegue dar nome
que não se faz enquanto coisa no mundo
fica em um terreno calado de terra batida
mas ainda pulsando, vocês sabem:
antes de terminar lá vem resposta certeira
acenando com um tiro
o peito seu peito do outro
antes de contar até dez
antes de chegar a unção extrema
de um beijo

after midnight

água com gás e a mesma de gim
misture com gelo e rodelas de limão
sapato italiano e terno de bom caimento
ajuste a gravata e ponha um long-play
para que seja longa a tua vinda
a nossa trilha em vida sonora

sábado, março 6

waterfall

Tem horas que não adianta billie diana dinah, não adianta uma vida e sua trilha incidental.
Resta acender o cigarro, abaixar a luz em choro baixinho.

primeiro vagão

Ele entrou no trem, um senhor passa mal, estrebucha vomita branco. Dizem que fora veneno e morre. Enquanto isso ele morre por dentro. Pra nunca mais voltar.

quarta-feira, março 3

cantilena

março marcha
é March marcado
riscado na folhinha
(amassa e assopra
pro tempo voar)

liturgia

já passam das três:
un thé au jasmin
na mais fina porcelana

óleo de algas marinhas
sobre a pele
sob uma camisa
com estampa de headphone

para beber seu corpo
e ouvir melhor
o teu mais sagrado
dentro de mim

mantra número 05

maio maio maio
o desmaio
de um mês
sobre todos
os dias

brinde

um traje completo
ao fundo Pink Martini

Campari Orange for you
Gin Tônica for me
tears for two

please, don't be cruel
mein Lebenspartner

tome minha mão
seja a tua dança
e viva

segunda-feira, março 1

uma notícia

azia e ânsia
cavalinhos platiplantos
na cerca do estômago
salte logo no market
salt sobre duas farfalle
passe na manteiga e voe
direto ao porto
aéreo desta tela

domingo, fevereiro 28

ao pé do ouvido

agora que tudo dorme e o mundo chove, ele pode dizer baixinho: "madrugada, teu nome é saudade".

oferenda

Sim, ele está
perambulando
feito rosa rubra
lançada ao mar.
Uma pétala em
cada continente,
sozinha mas inteira
do existir de
um entre
tantas metades.

sábado, fevereiro 27

28

em janeiro
um rio de sangue
feriu-se em meu corpo
feito pacto de carne
sobre teu horizonte belo

ele ainda jorra
desagua inflama
percorre teus vales
inunda teus vinhos

são letras coágulos
tua minha nossa vida
em derrame sempre
por um perene sim

countdown 2

No quinto mês, faça com que tudo dure muito tempo, peça para que as ruas desaguem recantos e novidades, com sol nas pessoas e no toldo dos cafés, para que os pés prolonguem terras, para que se tenha rosas água fresca e regaço, faça um pedido com toda dor com toda alegria, para que tudo pare. E floresça.

tracking

turn on the music player
and play it again, Sam
melody billie diana
banda sonora
música de fundo
duas distâncias
e todo aquele jazz

quinta-feira, fevereiro 25

collected call

botar o bloco da rua
e falar por 500 minutos
imaginar a felicidade
seu mundo
do outro lado da linha
ser mestre na sala
onde se importa
sua bandeira
beirando ternura
sobre a língua
que te cabe morta
neste latim fundo

respondendo cristina

por que fala de concentração
se há mar não se concentra?

quarta-feira, fevereiro 24

PS:

Ele vem publicando tantas coisas tantas vidas que o santo do lado de lá até desconfia.
Mas não há o que temer: é tudo tão simples quanto novos ares em perpasses antlânticos.
Agora és cavalo das palavras mal ditas.
E medita.

overture

gerir o secreto, no fundo do fundo, ser raimundo e expelir vastidão, traçar uma linha entre os que pulsam, ser pão e água a todo gás, inusitar sem hesitar de esperar, escavar um dentro no ar, inflar e concentrar toda ternura e dizer:

alguma revelia

São tantas peripécias deste tempo que rumina, que não move cirandas, tantas pedras no caminho que ele pergunta: e agora?
Vá ser Groucho na vida.

apêndice

não leve a mal
as palavras são traições
pesam carregam
mandam e desandam
a tela as letras as pausas
pintam e bordam
infla ricocheteia inflama
o zunido qualquer
onde pensa encontrar
você

terça-feira, fevereiro 23

embarque doméstico

que retorna
que engana
que engasga
que distorce
que recua
que menstrua
duas letras
sob as tetas
dele

calendário

se descansa sobre a tela
a maquiagem e o espelho
os olhos e a mãos
se repousa sobre as letras
as sobras do tempo
é porque há vida
atrás da porta

segunda-feira, fevereiro 22

[sem assunto]

Sempre esta montanha russa bate volta rounding in circles, sempre este ritornelo o refrão da canção espocando a cabeça, sempre este cd esta imagem cedendo as fibras os ossos
os destroços as ânsias.
É hora de virar o disco.

happy end

Vá ao lago e veja os cisnes enquanto lê, assista o filme: lá estarão os olhos que te olham enquanto dorme. Escolha o vinho e coloque duas taças: em uma delas sorverá boca e segredos, a saliva do desejo. Pendure dois retratos na tela e faça uma reza púrpura do Cairo: para que ele venha sorrindo branco, avançando, lutando, arrasando aos poucos a infelicidade.

pacto

não tenha medo, baby
cansei de ser kamikaze
quero flores no vaso
dois pratos dois copos
chaleira e café quente
cinema aos domingos
e promessas de amor
nas manhãs de segunda

domingo, fevereiro 21

cisma

quando se vê um rosto três vezes em um mês
e não consegue sair da sua cabeça há três semanas
é porque hay perigo, chico
de joelhos sobre a palma da mão

countdown

o outro lado da cama é deserto
um onde cabem dois
sem dessert sobre a mesa
o retrato dele segurando as paredes
pra não desmanchar o ninho no outro
em desmundo caminho de volta
a um par de braços

sábado, fevereiro 20

kitschiger Roman

ontem não teve palavras no papel, somente balbucios pra si, arrancou o fio do telefone e meteu a cara no travesseiro, saiu mas não olhou pra rua, vestiu o papel de zumbi e ficou na sua, totalmente sua, sem vitrola, blues e biquini, só curtindo ficar na sua, sem o cabernet sauvignon azedo na geladeira pra não atiçar fogo no corpo com álcool, curtindo as tuas fotos no ácido da lágrima. Ontem.

dois pra lá, dois pra cá

tranque e jogue fora as chaves da casa, segure a partida do trem, leia aquele trecho mais uma vez, do cárcere mande sinais de fumaça, não chegue na hora marcada, sorria e aceite esta dor bolero de esquina que tu me acostumbraste.

quinta-feira, fevereiro 18

a quarta foto

você
estará em azul
nada de blues
olhando no fundo
no fundo dele
braços sobre ombros
sorriso em suspiro
o crime perfeito
sobre um coração
assaltado aos pulos
sob a espera
de um happy ending

quarta-feira, fevereiro 17

ato fálico

Ele manda uma carta e diz estar perdidamente apaixonada. Este feminino do amor que no homem burla a escrita e grita.

AW:

Este berne de distância que carcome duas peles, sistema de mensagens secretas, é a voz do lado do outro aliviando perfurações, rasteja saudade pequenina, lívida, torpedo em flor,
quando você lê enlouquece me mata e deseja neste beijo de letra em discagem direta.
Sem nada cobrar.

quarta

a manhã desagua em ipanema
sem sal e lágrimas do fado

entrega à beira do azul mar
toda a ressaca de uma dor

de alma lavada enfim

duas gaivotas
um sobrevoo
uma promessa
tua minha
prece

terça-feira, fevereiro 16

tarde número dois

acorde meu arlequim
envolto em serpentinas
lance perfume tua terra
vem brincar neste peito
em vereda tropical
para que tudo seja
antes das cinzas
para morrer
e renascer nesta quarta
no ardor desta carne
sempre viva
sempre sua

segunda-feira, fevereiro 15

o primeiro dia

agora
deitado
enquanto a brancura
domina porta afora
e aqui
estado de alerta
amargo tropical
um até breve
retido na língua

(ai esta melody guardada
neste nosso blues)

step by step

Contar os dias, mirar fotos e escrever no caderno. Foi dada a largada: toma um expresso pra ver se acorda e amarga a vida no gin. Embota a lágrima porque agora não pode chorar, por dentro tudo treme, o trem passa em coração. Estão ali os trilhos os risos as três despedidas. Suspira e deixa sangrar.

domingo, fevereiro 14

respondendo

sim, é nosso
e você se concentra:
eis a ternura

mantra

ele come você
ele pensa você
ele bebe você
ele sorri você
ele canta você
ele chora você
ele estremece você
ele morre você
ele grita você
ele irrita você
ele dorme você
ele olha você
ele molha você
por dentro
e vive

conexão

Ele olha o céu à noite atrás de você, príncipe dos ares, pensando o que se passa em sua nave enquanto ele, na terra distante, suspira todos os ais em pleno domingo de carnaval. Os atlânticos atravessam o peito enquanto cruza o breu e a última letra. Não adiantou a fantasia de vampiro, nem mesmo o choro do pierrô atrás do Ray-Ban. Mas um dia haverá um pouso um porto um lugar para chamar de dois.

sexta-feira, fevereiro 12

mantra

ofereça a mão, conte coisas bonitas, ensine o verbo intransitivo, diga que a rosa arose em seu peito, amanheça boca, anoiteça pele, e deixe que tudo seja.

saída de emergência

coloca tudo na balança, remói os acontecimentos e se retorce, olha o redor extenso com ar cansado e respira, respira fundo, mas o calor que toma a cidade não deixa com que recolha a neve nas narinas, pois o que resta é transpirar o perfume da distância e pedir alma, calma aos navegantes. Mas ele está aprendendo a nadar.

sofia

baby, só vale a pena esperar
quando tudo está perdido
entre as tintas dos dias
em um sobrevoo sem par

quarta-feira, fevereiro 10

surpresa

cada letra um presente
papel celofane fita de cetim
caixa colorida feita de cartão
onde se escreve em dourado
sob cada dia deste verão teu
esperado nome
tua ternura

may

regar as plantas
usar teu perfume
olhar retratos antigos
e colher memórias
deixar barba feita
o frango sobre o fogão
uma música ao fundo
ao ler a sombra do vento
sob a contagem dos dias
fazer uma lista uma vida
ficar desarmado inteiro
pra quando chegar
você

terça-feira, fevereiro 9

segundo capítulo

tudo dominado revirado pelo avesso na pele do verso tatuando cortando de dentro pra fora pra você chegar domar um peito agora seu derretido no calor das horas e das noites em verão quando a saudade chega antes de acabar este passo de dois ardido sofrendo em desejo de um hasta la vista (um coração pra amassar)

quinta-feira, fevereiro 4

GIG

Sim, é para você quem se delicia com a carne da letra, quem nada pede a não ser o presente e a presença a cada dia, quem repete o mesmo com um sabor diferente, quem dá o laço sobre o desejo no ar. Sim, é para você quem me dobra por aqui, vira e revira minhas páginas nativas.
Carpe diem.

quarta-feira, fevereiro 3

a lei do mais fraco

mesmo que seja a última letra do mapa, o espaço finito de teu alfabeto onde isola às claras as neves, mesmo que seja a jornada em dias finais dos encontros olhos e promessas, mesmo que o território deixe traças e rastros sobre os corpos, mesmo que as fotos sejam a única saudade dos janeiros, mesmo que seja o teu primeiro ai de uma melodia guardada, mesmo que um gozo uma alegria não aplaque distâncias, mesmo assim, ainda sim fica na retina da pele um pulôver rosa.

quarto dos fundos

se falo e escorre
lençóis e suores
em sangue
se morre
a cada nome
que se chama
é fogo insone
em nossa boca
noturna
e inflama

segunda-feira, janeiro 25

eclipse

Foi um murro só, pequeno e rápido, bem certeiro sobre a boca. Um gelado na ponta da língua, a saliva do desejo, o pescoço oferecido, quente e perfumado. Os dedos correm sobre o peito, braços e costas da vítima, os olhos fuzilam um sorriso medusa há tanto esperado. Bonnie Tyler is around enquanto termina a primeira cena.
Yeah baby, assim começou o nosso blockbuster.

sábado, janeiro 23

a mal dita

As palavras não acontecem todo dia: abre a boca e borrifa vazio no ar, esquece a fala e estala a ponta da língua. Nem sempre aparece a não ser o concreto puro de cada letra estampada diante do outro, cuspida e escarrada. Fora o tempo em que acreditava ser um algo dentro. Fora.

domingo, janeiro 17

le denier nuit

The passion armazenado em uma Chandon.
Fez um brinde frio à sua conquista.
Ele, chique de ódio, espumou rosa.

sábado

Passa o senhor carregando brinquedos e coloridos enquanto o céu cinza prenuncia o mais tarde. Não adivinha que do terceiro andar um olhar passeia sobre as cores do carrinho, que desta moldura indiscreta só resta desejar um recreio, uma cria outra que arrebate nuvens e traga um azul out of blue. E se soubesse que alguém galopa segredos sobre a sua imagem?
Segue em frente com as mercadorias. Alguém conhecido lhe chama a atenção. Ele sorri.
Caio do cavalo.

quinta-feira, janeiro 14

alinha e belisca

borda uma rosa
no bolso da calça
na beira da carne
de estar penélope
de querer bem
a mão que caia
corte e costura
o tecido
a tua pele

quarta-feira, janeiro 13

retorno

finalmente a primeira
letra derradeira
a que inaugura
o ano e os dias
gota a gota
inundando a tela
com a espera
de hoje e sempre
do terceiro que foi
aquele