quarta-feira, abril 29

upside down

Quando acorda é uma lavação de roupa suja danada da vida.
Um tapa na cara do tédio em tarja preta uma relutância uma luta.
Hemorragia verbal pra ver se acaba de vez com toda essa ressaca.
Mas ele erra a mão.

terça-feira, abril 28

el regresso

Você volta, Morales.
Estacionamento livre.
Sem marcha ré.
Aceito tuas gorjetas.
E te dou a maior bandeira.
Dois.

tem algo queimando

Algumas vezes, quando percebe que existe um oculto, ele passa a borracha na mente, dispersa a legião que susssurra línguas e moralidades. Ele se espanta pois desta vez não houve o discurso da culpa. Manteve a calma corriqueira dos blasés, respostas claras de alma lavada. E chora por dentro. Só de relance.

segunda-feira, abril 27

palavras de um final de semana

quatro pilastras, sabor em companhia, o vinho pode ser encorpado, estampa de joaninha, estão olhando para o seu sexo, bolo de aniversário, microfone sem fio, óculos com lentes flutuantes, castelo branco, 2 é dialogo 7 é mistério, jaya mia, posso?, como a música é bela bartók, é mão sobre a outra, um café com stela artois no bar do leão, dark lines sob seus eyes, um duo a flanar na alma encantadora, a raspa do doce de coco, queimado corpo no frio da noite,
teu nome é pessoa.

person a

Ele cruzou uma fortaleza viçosa. Ficou na boca um sabor de cajú. Descobriu que olho não é carne, mas um possível silêncio. Em par.

quinta-feira, abril 23

caderno de caligrafia

As letras, agora, estão cada vez mais garrafais. Abandonou as curvas, a sensualidade das voltas sobre o papel, a aproximação da mão com o íntimo de um outro. É tudo direto, aberto na sua impessoalidade, sem os seus conhecidos hieroglifos. São caixas altas em berro, pedido de atenção e transparência. Sempre escreve assim quando se vê sozinho: ele se devassa.

quarta-feira, abril 22

alter-portrait

Ao esperar quem se ama, ele dorme com o peito em montanha russa. As horas engatinham dentro do estômago em rebuliço, mil e umas histórias pra ninar a noite. Pra de saudade não morrer.

self-portrait

Ao esperar uma resposta ele dorme com a pergunta, ruminante. Muitas vezes, passam-se duas horas até quedar o sono, falso. Fica como uma valsa renitente, música de comercial que gruda no céu da boca e só com aguarrás saem os resquícios. Daí surge uma outra pergunta: se ele não dorme por esperar um sinal ou pela morte iminente do ponto de interrogação.

rascunho rápido

ao menos uma rosa de dedos
uma reza no lance de dados
o fundo sobre a cabeça
aí tudo ficaria mais fácil
talvez uma penumbra
ele possa te revelar

segunda-feira, abril 20

Berlim Mitte

falar de você é sempre assim, lutar com as palavras
como que elas podem dar conta do contente em teus olhos?
onde, na errância da letra, possa o teu sorriso se fixar tal como ele invade?
o jeito que a tua presença se apossa não cabe aqui
está de forma outra, em calma saborosa
um silêncio de cigarra, surda melodia
um mantra do meu dia

domingo, abril 19

substantivo masculino

um fino aço em fio no estômago, um jato de ar, metálica gastura de gosto carcamano, saudosa ferida no salto da boca, radical lático da palavra do fundo, um sopro de lá
do seu

sexta-feira, abril 17

criptograma

, porque da dívida não se liberta. Coloca um Blazer da cor do ouro preto, come há oitenta anos atrasados. Se você ama, porque não se concentra em teu olho canibal?

quarta-feira, abril 15

confessional

Quem se apresenta por aqui?
Alguém se arrisca?
Os dados jogados e os lances permitidos.
Aquelas pronúncias de olho oblíquo.
Palavra pesada que sibila um olvido.
A língua vem de longe, em legião e muitos nomes.

les tropiques

a pele, a letra desferida em golpe de mestre que te joga do décimo primeiro andar adentro, bandeira dois que te encara de quatro, em queda livre do fundo no fundo derramando em todo o seu batman, querença de carne sugada no sobrevôo, um bocejo macio do coração pra você amassar

terça-feira, abril 14

Morales (DAF remix)

o frio te espera as ruas desertas os meninos do rock'n'roll limpando vidraças de carros o vinagre na comida da terra de nina cigarro de máquina nos euros da cara e pele palestina súbito banho de sol o muro caído a língua que arranha arranha e assanha
esta saudade que só te diz sim

contagem regressiva

esse cara tem a imagem contida
na cara alheia
você percebe a infantil mirada
que rouba e rouba
o salgado dos teus olhos

mas agora
deixa sangrar

segunda-feira, abril 13

passatempo

Ele reparava a nuca. Os pelos menos claros escondidos na camisa não incomodovam. Sequer percebia a vigilância cautelosa e dedicada. Ele deita em gramas suspiros polegadas dos olhos. Um rápido intervalo e um recheio desejado: morder teus fios filhos dourados de tua rija vergonha. Um dia, antes de ir.

com trato

o que os olhos não vêem, o coração desmente com toda galhardia
disfarça que desenxerga no cansaço, neste sorriso chiado
de pulga atrás da auréola

sábado, abril 11

noir

Pela terceira vez: é difícil viver nesta cidade. A cada passo, uma violência. Evidente que iria acontecer com ele um dia e não teria como fugir. Dobra-se a esquina e se desdobra o mesmo enredo do vizinho. A chegada de mansinho, a arma em punho, uma vítima indefesa. O nome foje e o santo não ajuda. Lá vem os sintomas: alerta, arrepio e barriga em frio. É rua sem saída e altas horas quando ele vê que são dois na espreita. É morte sem sentença e pernas bambas, ele vai dançar, não há como fugir daquele par.
De olhos.

rewind

Não sei se lembra daqueles que sempre estiveram por aqui. Muitas vezes ocultados, projetados no baço escuro, jamais esquecidos neste constante tatear. Sem queixume de outra cor e isso ele sabe de cor. É brilho pra dentro, de sorriso implodido. São azuis de encantos tamanhos. A tua traição.

o que é que tem

Tem o ouro pendente no azul, a sandália arrasta tuas ondinas, o sorriso arrega tuas narinas, as tuas meninas, a surda ressaca não pode falhar e que não pode falar.
Caia por cima de mim.

uma proposta

diga o que nunca diz, está tudo bem, faça afirmações com um sorriso, não ligue, turn off your mind, também pode, o furto do sono e suas terapias, você precisa, ele precisa, não se afete, entorne-se e chupe uma bala de menta. E minta.

easy listening

alguém na tua pele, este outro que te morde e aniquila o teu cheio. você quer se esvair em saliva, na sordidez de nomes e tuas reviravoltas, no alcance do fundo no fundo, acaso pontual, o perigozo compartilhado e teus erros.
mas quem você chama na hora H?

ele par lui-même

Ele come a letra desvio, instrumento do seu prazer, sem glória na completa escuridão, onde todo desejo boceja e se esquiva, apesar da língua rija que em sua boca não se torna carne macia.
Você me beija. Como se fosse dor.

quinta-feira, abril 9

a última canção

daqui ele não sai,
daqui ele não te mira

again

novamente vem você, irmão do morto, expirado no vácuo, o irrecuperável no dia de Pessach, que só se relembra pela falta
quais foram as suas palavras que ficaram para as testemunhas?
alguém te disse que a língua vem de longe?

o retorno

depois de tudo perdido, apagado no vácuo,
ele volta à sua escrita, com toda a revolta,
os olhos em faísca e a tela vazada.

não adianta apagar, André:
aqui se faz, ali se pega.