domingo, abril 3

as três fases

roubar todos os versos, sangrar as palavras

meu olho, um vampiro sem noites marcadas

verter caniças com pontas de dentes

sem cerimônias

e conseguir roubar uma falta repentina

sexta-feira, abril 1

Padre Miguel

Lá estavam as lantejoulas no chão quando chegava fevereiro. Agulha, linha e o pano brocado de dourado que recebia o carinho do aço que abria alas para o fio passar. Máscara de acetato deitada em purpurina enquanto recebia na testa o beijo de bigode do tio. A mornura da sala invadida pelo sol tardio, a voz dele sambando o enredo do ano. A fantasia alinhavando mocidades, brincandeiras de navegante, marquês e robô espacial. Depois aparecia a quarta com seus retalhos de desejo, bafo de onça e do Continental em fumaça baforada na ressaca. O dia costurado por lembranças, depositando no corpo do menino as tuas cinzas.

Bento Ribeiro

Mamãe tinha um caderno com uma capa repleta de selos. Lugares tantos que sequer haviam sido escritos na cartilha do gato Pom-Pom. Dentro do caderno estava guardada a artimética de mamãe, que parou de contar para ensinar os filhos como somar os irmãos na saída da condução lotada. Mal sabia mamãe que o caderno subtraído na praleteira de cima do armário ensinaria um número sem par de mares terras ares ao menino com seus caminhos de imaginar.

Bangu

Era quase todo sábado que se escrevia na cartinha da vovó. Titia esperando o dobrar de papel pautado lento e cuidadoso e o retoque das flores pequenas à lápis no envelope improvisado. O dia de menino passado a limpo sob olhares pequeninos azulados que jamais respondiam mas que faziam sorrir felicidade na espera muda de uma criança nas manhãs de segunda.