domingo, abril 25

fábula

Deu no jornal:
raposa mata galinhas
e o galo põe um ovo.
Verteu-se em luto
ou rogou novo assalto.
História da moral:
chocar-se para renascer
e gemer
um feminino.

isso

sim, mais ou menos deste tamanho, surgindo do nada, denso abafado compasso surdo. talvez por causa da brisa soprando o antes, talvez por não existir um entender, mas vem sem pedir licença e assalta paralisa acaricia o que não está. mais.

quinta-feira, abril 22

modo de preparo

Sempre palavras fúteis feito recheio de rocambole: doces mas enrodilhadas, cremosa superfície. A frase não se derrete, somente afunda em si mesma. Não se sabe o seu sabor no deliciar de olhos pensantes a cada mordida de vista.
Tem alguém precisando saber cozinhar.

sábado, abril 17

calendário

contar menos um tornou-se exercício findo
sem artimanhas olhadas de lado saídas de banda
preparam-se fios no jogo fingido dos dedos
até ferir cutículas em cada grão de segundo
violentando toques delícias tonturas
para que venha assolar linha de morte
sentença de amor no meio-dia da boca

double correspondance

algodão, o frágil vestido
repete o sorriso
macio do lado de lá
sem obra primeira
ou baque de rima
reveste a camisa, frágil
watch out engarrafa
mais uma vez a letra, ereta
(falo dela resmunga você)

sexta-feira, abril 16

30 de abril

Teus coelhinhos chegaram, sorridentes: no meio do caminho tiveram vários ovinhos. Então resolvi devorá-los, sedento, sempre um por dia. Esta é a conta exata até lá, quando os risonhos de olhos vermelhos também entrarão na pança faminta de você. Tem que estar forte, pois abriu neste mês um entregar-se ao desmaio das horas seguintes.

terça-feira, abril 13

[unfinished outtake]

só acontece quando debruça o ouvido e aquieta
nada sorrateiro impreciso contido no fundo do fundo
a dor do charme de antigo odor
ritornelo de vinil arranhado
e um rosto no oco do segundo

interrupto

são de seda os fios das palavras desprendidas de tua boca, libertas das letras tortas cravadas em sibilo nas malhas da tela

sábado, abril 10

próxima página

vem com toda a armadilha da língua, transpirando os pedidos da fala seguinte, mantendo o ritmo daquele verso antigo
já começam de olho no peixe, jogando a isca do dia-a-dia feito petisco marinado em letras mansas
um pequeno silêncio prenuncia a sentença final
mas ele põe uma música e sai de banda

pandorar

O presente é papel dourado envolvendo surpresas: o que ele veste come e escuta no quadrado de uma caixa. É preciso cautela para não destruir a delicadeza do momento: despetala-se a folha ruidosamente devagar, retira-se o tampo sem o devorar da ponta dos medos.
E só assim poderão segurar o peso de um coração a dois.

sexta-feira, abril 9

les temps dehors

if life during wartime is possible
mude o disco e aceite o risco
desencave um verso barato
meio teu todo ladrão
desejando tortura e ouvidos
fala rouca em sangue de gengivas
jogue pérolas aos corpos e espere
a perigosa necrose da língua

quinta-feira, abril 8

a hora íntima

Ele ganhou um caderno forrado com estamparias, caderno pautado em linhas vazias, prontas para ser infladas com o veneno dos acontecimentos: tickets de cinema, postcards em dedicatórias, recortes, recadinhos e o nome daquela caixa de bombons. Escrever passa a ser o ensaio diário de pronunciar o nome dele sob o silêncio de letras garrafais.

O derrame da tinta do tempo sobre o exercício findo de tocar tua brancura de pele em folhas soltas no ar.

A você devolvo um retorno encadernado.

electrocorte

dessa vez foram dois aços cravados na beira, no mais interno e profundo róseo, deixando as pernas retesadas no ar
e mesmo assim ele insiste que o cheiro de dor irmana a carne da letra

terça-feira, abril 6

mensagens não enviadas

se você soubesse que ele tenta fazer mel e cólica das palavras, se escutasse os rastros deixados na ranhura das sentenças que caem assassinas sobre teu colo, se parasse um pouco com os olhos abertos até que vertessem teus vermelhos, sentiria um frio lá, onde se farta de falta de nome de encaixe, uma frase branca no meio do útero da dor

cartão postal

21/03
hallo,
tá chovendo por dentro, corre uma enchente nas veias. A foto de frente está desmaiada e um pouco distante. Tem uma frase derramada sobre o verso que não se conhece a língua. No fundo de neve parece despontar uma pele de sol.
um braço carinhoso,

segunda-feira, abril 5

sem título no.06

Mais uma nódoa para a coleção: lá está ela pronta pra ganhar um alfinete no peito e ficar congelada na moldura de vidro (vai que ele se quebra e ela volta a dar o ar de sua graça com seu inchaço redondo, rindo da cara alheia).
Lá vem o fogo com seu cheiro de carne.

anunciação

consegue ver daí de cima?
os sinais chegam até aqui
sem alarde nem milongas
sangram ares mares azuis
afeto em trajeto todo tinta
(renasce imensa montanha
desce horizonte belo de luz)

sábado, abril 3

corte e sutura

se a pele provoca esta sede, se um sabor sibila entre dentes, é por lamber a tua seda da língua adentro, é por saber que dois é o tecido de toda querença, a ponta de um fio a ponta do outro, trajeto e resguardo de toda letra contida em fato de amor.