quarta-feira, dezembro 7

recogito

o pulso da carne do dente
jaz nascer dormente
a outra língua
morde a pele em semente
em flor de dor de repente
a outra língua

fios desvios tortos destrilhos
passados a míngua
recortes cantigas antigas matilhas
do sabor o que fica

o sumo do creme de fel
traz delícias na boca do céu
da outra língua
abre sombra horas rotundas
rumina muco monturo aprofunda
umas poucas certezas

um rasgo estranho
no músculo rouco
um ranho
de coser
palavras

domingo, novembro 6

nome de santo

se agora fizesse um riscado assim, onde houvesse alecrim, um sabor limão, maré de olhos, gastura de tempo e uma paúra, o que ficaria pra contar história? como se diz o que não acontece, um filme perdido, a trama mal traçada, o desencontro fatal? qual será o falo da próxima cena?

segunda-feira, outubro 31

12+6

encarnou o short vermelho
comprado em loja de esquina
a barraca da água de coco
ladeira de chapéus e gincanas
um sopro de tarde perfumada
a felicidade traçada em mapa de dois
são horas que fazem tempos
um ainda na curva perdida
a cor sombria sabida
uma dor de coeur

Atlântico

dentro
coloque a mais brilhante
e lance ao mar
até lá
pode ser que mude
a cor do céu
o acorde dos dias
o rumo do prumo
das linhas de afeto
lá pode ser que
cresça e apareça
e o nada mais seja
uma simples foto solar
esquecida em gaveta

domingo, outubro 30

previsão do tempo

sim, é um medo
uma lonjura
um cuidado
para evitar
o canto possível
o tremor
qualquer mágoa
de uma dor solar
eclipsar o pulso
o frêmito
a pele encantada

então sorria
e peça o café

meu doce remix

e se acontece
com dor e marra
tudo o que se deseja
e se tudo que se fez
foi só pelo doce
gosto do punhal
e se foi para deixar
um sorriso um risco
um gosto de sangue
sobre o prato frio
de uma paixão
é porque agora
seja o que for
vem de você
o melhor

zoom

é desse lado mesmo
muito claro e conciso
bem no meio das horas
em alvo esburacado
desliza rápido fácil
de cima para baixo
desfere um lento
e brando golpe de ar
abrindo o dia em
dois desejos
duas distâncias

terça-feira, setembro 6

no plástico

ancorou em tanga vermelha
deu um beijo de beira mar
bebeu sangue com mel
e o barco preso de promessas
fez as contas do passado colorido
arcos penas no céu pássaros
estalos de língua em clamor vertigem
quer passar pela moita e matar
o triste ronco azulado
olhar e ver nascer
raiz ramo uma gota de pique
um silêncio de seiva molhada
em você em mim

quarta-feira, agosto 31

room 1973

respondeu com teclas erradas e causou tristezas
acendeu cigarros em vez das fumaças do chá de limão
na vitrola velha aquela música de dois que somente um conhecia
pingou no rosto uma gota de chuva brotada do teto
não precisa de muito para morrer uma cena

a moldura real

não aparece porque se importa pouco com o suspiro de teus dias, então prefere ficar em pé no escuro tentando ver a luz que se distancia. enquanto isso, faça carícia de olhos sobre sorrisos que se apagam num clique, vai dizendo adeus para quem ainda não se disse um oi.
tem horas que ele beija um hálito de saudade.

domingo, agosto 21

página 21

talvez atrás do par de óculos e dentes cerrados, quem sabe no franzir silencioso e solar, no clique sobre a linha dos dedos que apontam o branco adiante, naquele mudo canto de esquina logo ali, na próxima parada sob a espera de um sinal de alerta, na soma acumulada em tempos nebulosos, pode ser no descuido da palavra que entrega muito bem alguma coisa boa e não tão fácil assim, pois tem o deleite de um fim que não se quer

desenho

ok, venceu:
existe uma lacuna
em alguma letra
desprendida na tecla
ficou uma vogal
fria aberta ovalada
morte súbita
das entrelinhas.
mas ele sabe:
ainda treme
um desejo

quarta-feira, agosto 17

ela para ele

estenda seu braço
prepare o segredo
na ponta da flecha
fecharei teus olhos
enquanto você sorri
com haste em punho
abandono de pernas
oferenda dos dedos
na curva de minha garganta

neste momento
um raio gozoso
mancha
os nossos dourados

quase findo

esta cidade
aberta
ereta concreta
tem olhos de sangue
com sabor de romã
sol de vielas amarelas
banhadas pelo sol
de cristalinas fontanas
(tua língua engana
paisagens e durezas)

raiz

Há tempos sem colocar o bloco na rua, não sabe mais o que é jorrar confetes sobre cabeças desconhecidas.
Talvez tenha perdido o jeito para deglutir após uma bela mastigada dos dias.
Mas não importa:
voltou bebendo o nobre blues de sangue tupi.

sexta-feira, julho 22

no fim de tudo

por que não põe pra passear
aquele disco
aquele cisco no circo em teus olhos
por que não apela ao pelo da memória
e não deixa
esta mecha
este ponto de luz na rua da retina
velar o verso escondido

assim talvez esbarre
na barra da saia
de uma canção

a coisa mais linda de se ver

mamãe me dá dedeira
amamenta minha canseira
pra fazer toda a poeira
daquele amor passar
minha teta se dissolve
na alegria da prova dos nove
não deixe mamãe não deixe
meu cafona coração
juntar saudade e vatapá
antes da noite chegar

segunda-feira, julho 4

lista da semana

guardar as roupas e ninar o tempo
colocar os minutos no colo
acalantar os dias recentes
sorrir com olhos de prata
fazer da noite longa um afago
deixar os dentes escovando o sabor do ar
para não temer não surrar e morder
a cantoria doce e imunda do amor

sexta-feira, junho 24

azar de asas

são apenas
palavras
pequenas
um aprisionar
do largo sorriso
mordiscando
o bico dos dentes
uma língua
no pico do peito
reto teso ereto
jorro de seiva
no bronze da pele
são apenas
palavras
encarnadas
ferrenhas
um rasgo
no meio
do teu
desejo

quinta-feira, junho 23

hot stuff

não me convide pra pular a fogueira, ioiô
vontade é coisa que vai e volta
enrola corda no pescoço esperando a última hora
enfeitando alma com bandeirinhas
ensopando desejo no quentão
mas espero palavras no caminho da roça:
miséria rouca é vantagem

samba no Bexiga

são aqueles braços
sob sorriso em boca fechada
a mirada na ponta da nuca
esperando que devolva
talvez um nó de língua
(afunde o colo
e nada me diga
se chover em tua rua)
saudade é pra salvar

segunda-feira, junho 13

uma reza

um tempo e este vento
trazendo as novas da madrugada
amanheceu e despertou dores
deitou tears sobre flores
teceu colares de espera
(agora roga praga pega terra
com os pés das palavras)


terça-feira, maio 3

a ruga da fuga

pra que serve esta ópera seca
por que não rende o canto ao que não pode ser letra
por que não revela o negativo desta foto de cena que teu canto deseja?

suíte dois

Seguir os passos, ainda que distantes, fazem a leitura turvar os olhos, não chegando a ponta dos dedos na marca do teu sorriso. Se encara de frente toda a retina, não conseguirá perceber a outra face admirando palavras que tua boca evapora. Ainda assim insiste persiste aciona o verde averigua retorce o dorso sobre a pele da tela. E tece a tua teia de beijar infâmias.

domingo, abril 3

as três fases

roubar todos os versos, sangrar as palavras

meu olho, um vampiro sem noites marcadas

verter caniças com pontas de dentes

sem cerimônias

e conseguir roubar uma falta repentina

sexta-feira, abril 1

Padre Miguel

Lá estavam as lantejoulas no chão quando chegava fevereiro. Agulha, linha e o pano brocado de dourado que recebia o carinho do aço que abria alas para o fio passar. Máscara de acetato deitada em purpurina enquanto recebia na testa o beijo de bigode do tio. A mornura da sala invadida pelo sol tardio, a voz dele sambando o enredo do ano. A fantasia alinhavando mocidades, brincandeiras de navegante, marquês e robô espacial. Depois aparecia a quarta com seus retalhos de desejo, bafo de onça e do Continental em fumaça baforada na ressaca. O dia costurado por lembranças, depositando no corpo do menino as tuas cinzas.

Bento Ribeiro

Mamãe tinha um caderno com uma capa repleta de selos. Lugares tantos que sequer haviam sido escritos na cartilha do gato Pom-Pom. Dentro do caderno estava guardada a artimética de mamãe, que parou de contar para ensinar os filhos como somar os irmãos na saída da condução lotada. Mal sabia mamãe que o caderno subtraído na praleteira de cima do armário ensinaria um número sem par de mares terras ares ao menino com seus caminhos de imaginar.

Bangu

Era quase todo sábado que se escrevia na cartinha da vovó. Titia esperando o dobrar de papel pautado lento e cuidadoso e o retoque das flores pequenas à lápis no envelope improvisado. O dia de menino passado a limpo sob olhares pequeninos azulados que jamais respondiam mas que faziam sorrir felicidade na espera muda de uma criança nas manhãs de segunda.

quarta-feira, março 30

tape deck

não há visitas do lado de lá, pouco se sabe pouco se importa, as paredes se dissipam para que surjam outras muitas, outras asas sem desejo, celeiros inabitáveis quando o respiro se cala de dor, uma melodia faltosa no porto dos olhos. ok, assinemos as linhas pontilhadas sob a espera de sexta: chope, suor e uma porção de batata aflita

sábado, março 26

38 rotações

algum dia
duas risadas
três goles
um ritmo
ou motivo de acúmulo
um falso cálculo
aritmética deste corpo
que morre
de tanto inspirar

terça-feira, março 22

conselho da noite

mais uma pergunta para o teu caderno de enigmas
menos dúvida sobre o passo em falso das respostas
prontas e impostas.
é o que sobra.

um risco

como se pudesse sugar
todo sangue de menina
e de novo ser esquina
livro asa surdo ar
como se garras cortantes
cantando sedentas feridas
tivessem gosto de tinta
na ponta dos dentes
você não vê
que verto vida
feita lágrima vertida
sobre um ombro
igual ao meu
você não lê
curto raspas
versos pobres
outros tantos
poucos nobres
rima fácil
para no teu o meu
deslizar

quarta-feira, março 9

strange fruit

se correr ao invés de um blues lamentoso, se correr ao invés de esperar, se correr ao invés de anotar o passar dos dias, se correr ao invés de se lançar no ar, se correr ao invés de apontar o desejoso azul do olho do outro, se correr ao invés de gritar, se correr ao invés de chover, se correr ao invés das promessas relembradas cantadas desviadas enlouquecidas, se correr e respirar você

a quarta linha

Desmaia a cortina
baque surdo no ar
escorrendo rastros.

Um resto rouco
arranha e sussurra
teu silêncio asfaltado.

Sangue depois:
agora são cinzas.

domingo, março 6

vigília

só espero
a próxima pergunta
e que seja uma litania
(tua carne
meus ouvidos)
pois espero só

possibilidades distintas

Olhei para as suas cartas
antigas e malfadadas:
ficaram estancadas sobre
o liso da mesa.
Continuam as mesmas
páginas com sabor amarelo
sem beijos de caneta
para sorrir um ontem.
Perco a rota dos dedos
devorando letras arrancadas.
Refaço teu corpo
sob um suspiro grisalho.
E te renasco folha minha
capricho de fantasia
rompante esperado
sob a estreita linha
de um fio de vida.
Relida.

quinta-feira, fevereiro 3

mais uma antiga

algumas vezes as coisas ficam um tanto vazadas, como se não houvesse nada para ocupar o vazio dos olhos. algo que não cabe na reta da linha mas que fica ali, asombrando, mirando a partida na simples escolha da mala de livros.

queda livre

tão branco
sem pulso
mudo
estreito
opaco
perfeito
cansado
assim
assado

o coração

conversa antiga

enfim
a história chega tarde:
nunca no momento
da garganta segurando o verbo

vem arrastada sem prumo
a novidade de ontem
que todos sabem
antes do último

a palavra final
reles ao chão
a morta letra
sobre ladrilho
carmim

domingo, janeiro 30

um ritmo

acenda aquele cigarro de fim de tarde
desenhando fumaças em preto e branco
rodeando o vapor em vestido
acena o fim de fala branda
para cair
desamanhecer
teu domingo
sobre mim

domingo, janeiro 23

no verso

Estas fotos que tudo entregam, queimando o rosto dos livros e derretendo letras. Agora ficam imagens mudas, aquelas proximidades que todos sabem e muitos esquecem fingindo. O que te abrasa são sorrisos gelados no ar, amarelos futuros de um corpo que não se toca. Tua dúvida, tua dívida (na carne do tempo).

sábado, janeiro 8

é daquele romance

ele enxuga o teu suor, suspira sem inflar os peitos, mas enxuga o suor. ainda espera pra ver se você reage, se escreve de volta com as letras dos olhos, se dá um sorriso de canto de boca e esboça um convite. os pássaros deram um rasante sobre a sua cabeça. olhou para o céu enquanto ele se foi.

lixo eletrônico

como pode tudo
se nunca aparece
se todo mundo sabe
(e sempre)
sabe
mas não encontra
a fumaça
do cigarro
dois chopes
de esquina
que te acolhe
em bafo de amor
no fim dos dias?

sexta-feira, janeiro 7

próximo passo

por que não pede sorrindo?
quem sabe o mundo te atende.

oração

vem assim
sem pedir licença
arrombando a porta
antes de bater três vezes
manchando de amarelo
ruas paredes abrigos meus
não pergunta se eu pedi
se eu quis implorei cedi
só sabe chegar e sorrir
desgraças minhas
sob um sol de janeiro

sábado, janeiro 1

01 de janeiro

termina
porque houve
um começo
um passo primeiro
uma voz alheia em ouvido faltoso
teus pés na valsa mofada do tempo
enquanto as migalhas dos dias
voltarão a correr
feito dublê de corpo
estendendo mãos
diante do rosto
levando teus olhos
ao movimento em falso
do ato final